Criatividade e Rigor
Não acredito que ser criativo necessariamente implique em pintar quadros, escrever livros, fazer esculturas. Estas são as formas mais óbvias e caricatas da criatividade.
Tomemos por exemplo um advogado: esta não é o tipo de profissão que seria naturalmente tomada criativa, visto que ela anda de mãos dadas com a burocracia. Mas há algo de criativo na profissão de um advogado: não é um produto, mas a sua retórica. Que artigos mencionar? De que forma falar isso ou aquilo? Qual aspecto do caso frisar?
Há um processo criativo em voga, algo que implica em não haver um modelo pré-determinado, algo que implica em novidade, em exploração, em tomada de riscos.
Isso está ligado à autenticidade.
Para ser criativo não é necessário criar produtos ou obras de artes plásticas ou literárias, mas sim relaxar. Relaxar é necessário, deixar de ser tão duro. Muitos acreditam que isso é difícil, mas Freud afirma que isso é tão fácil que todos os seus pacientes conseguem. Mas que modo de relaxar é esse?
Na Interpretação dos Sonhos, Freud (Freud, 2014) responde a esta pergunta por meio de uma menção a Schiller, que afirma que a criatividade é sufocada pela exigência, pelo julgamento, pela crítica; que as ideias que podem parecer peculiares são descartadas de antemão por causa dessa exigência, mas que se essa ideia esdrúxula tivesse a oportunidade de seguir o seu curso ela desembocaria em muitas outras ideias – as quais foram previamente abortadas pela crítica, mas que poderiam ser de fato ideias de ouro; que
Não parece bom, além de desvantajoso para as obras criativas da alma, quando o entendimento examina com demasiada severidade, já nos portões, por assim dizer, as ideias que chegam (ibid., p. 124)
O essencial para a criatividade seria justamente relaxar, fazer uma suspensão da crítica, que caso seja bem sucedida resultaria na vinda à consciência “um sem número de ideias que de outro modo teriam permanecido inconcebíveis” (ibid., p. 123). A esterilidade criativa anda de mãos dadas com o rigor excessivo.
Assim, há algo caótico e anti-hierárquico na criatividade; algo que foge às regras pré-determinadas, ao “trabalho prescrito”. Inovar é fazer diferente, e fazer diferente é fugir do seguro. A criatividade é expansiva: ela faz conexões múltiplas e distintas.
Há algo nela de entrópico – pois expande, quebra sistemas, destrói, difunde – mas também algo sintrópico – pois sintetiza e reúne. Na criatividade, tanto a abertura quanto o fechamento estão em jogo: após a explosão rizomática do início (essa inspiração caótica que conecta os elementos mais distintos e de associação inesperada), há uma reorganização, limpeza. Adélia Prado, na poesia, chama isso de “cortar a gordura”, os excessos que vêm após a inspiração inicial, a edição que sucede a escrita, ou a lapidação das formas brutas, divergentes da dignidade da ideia concretizada. Aqui há perigo, pois há risco em lapidar demais (não conserte o que já funciona!) e de menos (deixar pontas soltas ou caprichosamente adicionar conteúdo supérfluo).